Processo nº 0002698-89.2024.4.05.8106
ID: 327510900
Tribunal: TRF5
Órgão: 24ª Vara Federal CE
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 0002698-89.2024.4.05.8106
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 5ª Região Seção Judiciária do Ceará 24ª Vara Federal Juizado Especial Federal Processo Nº : 0002698-89.2024.4.05.8106 Classe : PROCEDIMENTO DO JU…
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 5ª Região Seção Judiciária do Ceará 24ª Vara Federal Juizado Especial Federal Processo Nº : 0002698-89.2024.4.05.8106 Classe : PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Autor(a) : ISRAEL NOGUEIRA DE FREITAS Réu : IRMANDADE BENEF DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORT, UNIÃO FEDERAL SENTENÇA 1. Relatório Trata-se de ação movida por ISRAEL NOGUEIRA DE FREITAS contra a UNIÃO FEDERAL e a IRMANDADE BENEFICENTE DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORTALEZA com o fim de obter a condenação dos requeridos na obrigação de fazer consistente na liberação do seu prontuário médico e na continuidade do tratamento oncológico na SANTA CASA DE FORTALEZA, conforme orientação médica, ou em outra instituição especializada, inclusive à título de tutela de urgência, Ainda requer a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização por danos materiais (R$ 280,00) e morais (R$ 84.440,00). O(a) requerente alega que: (a) é portador de diagnóstico oncológico, tendo se submetido a cirurgias devido à gravidade de sua condição; (b) vinha sendo acompanhado por médicos da demandada, quando teve suas consultas de retorno suspensas desde 26 de setembro de 2023; (c) a demandada alegou diversos motivos para a não realização do retorno, inicialmente justificando-se por uma greve de seus funcionários; (d) mesmo após o término da suporta greve, a Ré continuou postergando o atendimento, sob a alegação de que os médicos não foram liberados pelo SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS); (e) a Instituição Ré se recusou a fornecer ao autor seu prontuário médico, prejudicando uma eventual transferência para outra instituição capaz de prestar o atendimento necessário e urgente. Para comprovar os diversos eventos e atos de omissão da Ré, o autor junta aos autos a CONTRARREFERÊNCIA AO SERVIÇO DE ORIGEM (Id. 50930991), e o comprovante de necessidade de retorno (Id. 50930992). Adicionalmente, o CARTÃO DO PACIENTE (Id. 50930993) e o RELATÓRIO DE PATOLOGIA (Id. 50930994) também estão anexados, atestando os procedimentos realizados e a grave situação de saúde do autor. Tais documentos evidenciam a necessidade do contínuo monitoramento médico pós-operatório, ignorado pela Instituição Ré. O autor ainda aporta a FOLHA DE RECEITA (Id. 50930995), datada de 2017, e o PROCEDIMENTO DIAGNÓSTICO (Id. 50930996) realizado em 2022, reforçando a continuidade do tratamento e os cuidados que necessitou ao longo dos anos, sublinhando a persistência e cronicidade de sua condição de saúde que carece de atenção constante. Contestação da UNIÃO FEDERAL juntada aos autos sob o Id. 54629044. Devidamente citada por Carta com Aviso de Recebimento (Id. 57795449) para integrar o feito, a IRMANDADE BENEFICENTE DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORTALEZA permaneceu inerte (Id. 60799987). Relatado no essencial, passo à fundamentação. II. Fundamentação II.1. Preliminar: ilegitimidade passiva da UNIÃO FEDERAL A preliminar de ilegitimidade passiva aventada não merece acolhimento. Com efeito, resta inequívoca a legitimidade passiva dos entes públicos demandados, porquanto o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade da União, dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal, conforme se depreende do disposto nos arts. 196 e 198, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), razão pela qual qualquer destes entes pode ser acionado, a fim de garantir o acesso à medicação para pessoas carentes. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmado, inclusive, em julgamento de recurso submetido à sistemática do art. 543-C do revogado Código de Processo Civil, encontrando previsão no atual diploma processual no art. 1.036: PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AÇÃO MOVIDA CONTRA O ESTADO. CHAMAMENTO DA UNIÃO AO PROCESSO. ART. 77, III, DO CPC. DESNECESSIDADE. Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC 1. O chamamento ao processo da União com base no art. 77, III, do CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos responsáveis para o fornecimento de medicamentos ou prestação de serviços de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado opor obstáculo inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde. Precedentes do STJ. 2. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entende que "o recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios", e "o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional", razão por que "o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida" (RE 607.381 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 17.6.2011). Caso concreto 3. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido negou o chamamento ao processo da União, o que está em sintonia com o entendimento aqui fixado. 4. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008. (REsp 1203244/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 17/06/2014) Assim, revela-se legítima, em tese, a atribuição da corresponsabilidade pelo fornecimento do serviço de saúde a todos os requeridos, nos termos expostos na inicial. Afasta-se, então, tal preliminar. II.2. Mérito O direito público subjetivo à saúde constitui uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada, de forma assaz contundente, pela CRFB/99, em seu art. 6º, caput, e art. 196: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015) (...) Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Atualmente, é reconhecida uma eficácia jurídica máxima a todas as normas definidoras de direito fundamental, inclusive aos direitos sociais, como a saúde. Desse modo, dentro da chamada "reserva do possível", o cumprimento dos direitos sociais pelo Poder Público pode ser exigido judicialmente, cabendo ao Judiciário, diante da inércia governamental na realização de um dever imposto constitucionalmente, proporcionar as medidas necessárias ao cumprimento do direito fundamental em jogo, com vistas à máxima efetividade da Constituição. A saúde é, pois, direito de todos e dever do Estado, que detém a obrigação de fornecer condições de seu pleno exercício, assegurado e disciplinado constitucionalmente, estando os entes federativos, solidariamente, obrigados a fornecer os medicamentos necessários àqueles que não possuem condições financeiras de adquiri-los, bem como a custear tratamentos e exames específicos, independente de protocolos e entraves burocráticos restritivos de direito, sob pena de burla ao princípio da dignidade da pessoa humana. Por oportuno, ressaltam-se os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, constantes no art. 7º, I e II, da Lei Nº 8.080/90: Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; Entretanto, no que tange ao fornecimento de medicamentos por determinação judicial, devem ser observados alguns parâmetros, em vista à sustentabilidade do Sistema Único de Saúde e a fim de observar o princípio federativo da separação dos poderes. Deve-se observar, ainda, se se trata de medicação ainda não integrada ao protocolo do SUS. Em situações assim, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem exigido bastante cautela por parte dos magistrados na concessão do direito ao medicamento, conforme se pode aferir do seguinte trecho voto do Ministro Gilmar Mendes, que enfrenta diretamente a questão dos tratamentos fora do protocolo do SUS: “Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação. O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão. Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia. A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da "Medicina com base em evidências". Com isso, adotaram-se os "Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas", que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial. Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro. Os tratamentos experimentais (cuja eficácia ainda não foi cientificamente comprovada) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los. Como esclarecido pelo Médico Paulo Hoff, Diretor Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, na Audiência Pública realizada, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las. No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu término. Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente acompanhável pela burocracia administrativa. Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada. Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar. Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde" (voto do Min. Gilmar Mendes na SL 47/PE - AgReg)” O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento proferido sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1657156/RJ), fixou requisitos cumulativos para que o Poder Judiciário determine o fornecimento de remédios não incorporados em atos normativos do SUS, ressaltando que os critérios estipulados somente serão exigidos para os processos que forem distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado (4/5/2018): (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. Confiram-se, a propósito, as ementas do referido julgado e dos embargos de declaração ali opostos: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO. 1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos. 2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados. 3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas. 4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015. (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018) PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ESTADO DO RIO DE JANEIRO. RECURSO ESPECIAL JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. TEMA 106. OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO DE FORNECER MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. ART. 1.022 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. NECESSIDADE DE ESCLARECIMENTO. VEDAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA USO OFF LABEL. 1. Nos termos do que dispõe o artigo 1.022 do CPC/2015, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre a qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, bem como para corrigir erro material. 2. Não cabe ao STJ definir os elementos constantes do laudo médico a ser apresentado pela parte autora. Incumbe ao julgador nas instâncias ordinárias, no caso concreto, verificar se as informações constantes do laudo médico são suficientes à formação de seu convencimento. 3. Da mesma forma, cabe ao julgador avaliar, a partir dos elementos de prova juntados pelas partes, a alegada ineficácia do medicamento fornecido pelo SUS decidindo se, com a utilização do medicamento pedido, poderá haver ou não uma melhoria na resposta terapêutica que justifique a concessão do medicamento. 4. A pretensão de inserir requisito diverso dos fixados no acórdão embargado para a concessão de medicamento não é possível na via dos aclaratórios, pois revela-se como mero inconformismo e busca de rejulgamento da matéria. 5. No caso dos autos, faz-se necessário tão somente esclarecer que o requisito do registro na ANVISA afasta a possibilidade de fornecimento de medicamento para uso off label, salvo caso autorizado pela ANVISA. 6. Embargos de Declaração acolhidos parcialmente, sem efeitos infringentes, para esclarecer que onde se lê: "existência de registro na ANVISA do medicamento", leia-se: "existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência". PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. UNIÃO. RECURSO ESPECIAL JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. TEMA 106. OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO DE FORNECER MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. ART. 1.022 DO CPC/2015. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. NECESSIDADE DE ESCLARECIMENTO. 1. Nos termos do que dispõe o artigo 1.022 do CPC/2015, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre a qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, bem como para corrigir erro material. 2. No caso dos autos, não há vício a ensejar a modificação do que foi decidido no julgado. 3. Todavia, tendo em vista as indagações do embargante, é necessário fazer os seguintes esclarecimentos: (a) o laudo médico apresentado pela parte não vincula o julgador, isto é, cabe ao juiz avaliar o laudo e verificar se as informações constantes nele são suficientes para a formação de seu convencimento quanto à imprescindibilidade do medicamento; (b) a exortação constante no acórdão embargado para que o juiz, após o trânsito em julgado, expeça comunicação ao Ministério da Saúde e/ou CONITEC a fim de realizar estudos quanto à viabilidade de incorporação no SUS do medicamento deferido, deve receber o mesmo tratamento da situação prevista no § 4º do art. 15 do Decreto n. 7.646/2011. 4. Necessário, ainda, realizar os seguintes esclarecimentos, agora quanto à modulação dos efeitos: (a) os requisitos cumulativos estabelecidos são aplicáveis a todos os processos distribuídos na primeira instância a partir de 4/5/2018; (b) quanto aos processos pendentes, com distribuição anterior à 4/5/2018, é exigível o requisito que se encontrava sedimentado na jurisprudência do STJ: a demonstração da imprescindibilidade do medicamento. 5. Embargos de declaração rejeitados. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PARTE AUTORA. RECURSO ESPECIAL JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. TEMA 106. OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO DE FORNECER MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. ART. 1.022 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. 1. Nos termos do que dispõe o artigo 1.022 do CPC/2015, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre a qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, bem como para corrigir erro material. 2. No caso dos autos, não há vício a ensejar a integração do que decidido no julgado, pois, não constitui omissão o mero inconformismo com a conclusão do julgado, manifestado nas seguintes afirmações: que o STF tem admitido o fornecimento de medicamento não registrado na ANVISA; que a questão está sendo apreciada, em sede de repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal, mas que ainda não foi concluído o julgamento; que o requisito de registro na ANVISA fere o princípio da isonomia. 3. Embargos de declaração rejeitados. PROCESSUAL CIVIL. ART. 494, I, DO CPC/2015. CORREÇÃO DE INEXATIDÃO MATERIAL. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO REPETITIVO. 1. O inciso I do art. 494 do CPC/2015 possibilita ao julgador a correção de ofício de eventuais inexatidões materiais no decisum. 2. No caso dos autos, a fim de evitar dúvidas, impõe-se a alteração do termo inicial da modulação dos efeitos. 3. Ante o exposto, de ofício, altera-se o termo inicial da modulação dos efeitos, do presente recurso especial repetitivo, para a data da publicação do acórdão embargado (4/5/2018). TESE FIXADA: A tese fixada no julgamento repetitivo passa a ser: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018. (EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018) (grifos acrescidos)” O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 657.718, com repercussão geral reconhecida (TEMA 500), decidiu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais. Em termos específicos, foi fixada a seguinte tese: 1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais; 2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial; 3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: I – a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras; II – a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e III – a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil; e 4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União. Ainda quanto ao ponto, o STF, no julgamento do RE 855.178 (TEMA 793), em sede de embargos de declaração, assim se manifestou: 1) É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente. 2) A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 3) As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes. Importante ainda registrar que o STF, quando do julgamento do RE 1165959, em 21/6/2021 (TEMA 1161), fixou a seguinte tese: Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS. Por oportuno, colaciona-se a ementa do mencionado julgado: "Ementa: CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO EXCEPCIONAL DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA, MAS COM IMPORTAÇÃO AUTORIZADA PELA AGÊNCIA. POSSIBILIDADE DESDE QUE HAJA COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIENCIA ECONÔMICA. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1.Em regra, o Poder Público não pode ser obrigado, por decisão judicial, a fornecer medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), tendo em vista que o registro representa medida necessária para assegurar que o fármaco é seguro, eficaz e de qualidade. 2.Possibilidade, em caráter de excepcionalidade, de fornecimento gratuito do Medicamento “Hemp Oil Paste RSHO”, à base de canabidiol, sem registro na ANVISA, mas com importação autorizada por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde, desde que demonstrada a hipossuficiência econômica do requerente. 3.Excepcionalidade na assistência terapêutica gratuita pelo Poder Público, presentes os requisitos apontados pelo Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, sob a sistemática da repercussão geral: RE 566.471 (Tema 6) e RE 657.718 (Tema 500). 4. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral para o Tema 1161: "Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS” (RE 1165959, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210 DIVULG 21-10-2021 PUBLIC 22-10-2021)" Na espécie, o autor requer que os réus promovam a continuidade de seu tratamento oncológico junto a IRMANDADE BENEFICENTE DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORTALEZA, conforme orientação médica, ou em outra instituição especializada. Compulsando os autos, tem-se que o pedido autoral merece prosperar. Com efeito, o autor juntou documentação médica demonstrando que foi submetido a tratamento de natureza oncológica, e que necessita dar continuidade ao tratamento. Por sua vez, é de notório conhecimento que dito tratamento médico é fornecido pela rede pública de saúde, cabendo frisar que nenhum dos requeridos lançou controvérsia quando a esse ponto. Portanto, em se tratando de serviço regularmente ofertado pelo SUS, não há necessidade de observância dos requisitos estabelecidos no RE 657718/STF e REsp 1657156/STJ, acima mencionados. De fato, na hipótese dos autos, necessário que o autor demonstre a necessidade e adequação do tratamento, bem como a demasiada demora da Administração Pública em promovê-lo. A necessidade e adequação restam demonstrados nos autos, consoante acima referido. Cabe frisar que nenhum dos réus ou das entidades/órgãos demandados forneceu informações indicando a realização da consulta com oncologista ou qualquer outra medida apontando o início do tratamento do autor. Logo, há de se reconhecer a demora excessiva na concretização da prestação de saúde, conforme Enunciado nº 93 das Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça: ENUNCIADO Nº 93 Nas demandas de usuários do Sistema Único de Saúde – SUS por acesso a ações e serviços de saúde eletivos previstos nas políticas públicas, considera-se excessiva a espera do paciente por tempo superior a 100 (cem) dias para consultas e exames, e de 180 (cento e oitenta) dias para cirurgias e tratamentos. Em sentido similar, são os seguintes julgados: DIREITO À SAÚDE. CIRURGIA BARIÁTRICA. DEMORA IRRAZOÁVEL. ENUNCIADO 93 CNJ. DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA PROCEDIMENTOS PRÉ-OPERATÓRIOS E REALIZAÇÃO DA CIRURGIA. SOLIDARIEDADE. TEMA 793 STF. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Observando as premissas elencadas pelo STF no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n. 175, Relator o Ministro Gilmar Mendes, quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Consoante o enunciado 93 da da III Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, nas demandas de usuários do Sistema Único de Saúde - SUS por acesso a ações e serviços de saúde eletivos previstos nas políticas públicas, considera-se excessiva a espera do paciente por tempo superior a 100 (cem) dias para consultas e exames, e de 180 (cento e oitenta) dias para cirurgias e tratamentos. 4. Diante da comprovação da necessidade de realização do procedimento cirúrgico com brevidade devido ao agravamento das comorbidades associadas à doença, e transcorrido em muito o prazo de 180 dias previsto no enunciado 93 do Conselho Nacional de Justiça, impõe-se o deferimento da antecipação de tutela, com fixação de prazo para avaliação de pré-operátoria e para a realização da cirurgia. 5. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 793, reiterou a jurisprudência no sentido de que os entes federados são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, fixando a seguinte tese: "os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro." 6. Considerando que o procedimento postulado pela autora é oferecido na rede pública, como serviço de alta complexidade, deve ser reconhecido que a União é a responsável financeira pelo custeio do tratamento, nada obstante o serviço médico seja exigível solidariamente de qualquer dos entes políticos e, no caso dos autos, preferencialmente do Estado, pela condição de corréu e responsável pela execução dos serviços supletivamente aos municípios. 7. Eventual ressarcimento das despesas entre os entes federados deverá ser objeto de acertamento na via administrativa. (TRF4, AC 5007379-88.2020.4.04.7102, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 09/12/2021) (Grifos acrescidos) PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - DIREITO À SAÚDE - PROCEDIMENTO CIRÚRGICO - IMPRESCINDIBILIDADE E URGÊNCIA PROVADAS - FORTES DORES DIÁRIAS E LIMITAÇÕES DE MOVIMENTO - DEMORA INJUSTIFICÁVEL - DIREITO À DIGNIDADE HUMANA E À QUALIDADE DE VIDA - APELAÇÃO PROVIDA. 1. O fornecimento do medicamento é gratuito, porque a saúde integra o conjunto da seguridade social, cujo financiamento é distribuído por "toda a sociedade, de forma direta e indireta" (artigo 195, "caput", da Constituição Federal). 2. O mesmo raciocínio é aplicável ao fornecimento de tratamentos médicos no âmbito do SUS. 3. No caso concreto, a apelante, atualmente com 70 anos (fls. 03, ID. 145014070 - f. 6), necessita de procedimento cirúrgico para a retirada do material de síntese prévio e artroplastia total do quadril esquerdo para restaurar a mobilidade e a capacidade funcional do quadril. 4. A cirurgia é oferecida pelo SUS e foi indicada por médico especialista (fls. 3, ID. 145014070 - f. 14/20). 5. A imprescindibilidade do procedimento cirúrgico está provada: a doença está em estágio avançado e não há qualquer outro tipo de recurso terapêutico disponível no momento no qual a apelante possa se submeter. 6. Também se comprovou a demora injustificável de mais de 7 (sete) anos de espera para a realização do tratamento cirúrgico, período, no qual, frise-se, a apelante sofre com fortes dores diárias e possui dificuldade de caminhar, com limitação de atividades cotidianas (fls. 51, ID. 145015368). 7. No caso concreto, a urgência para a realização de cirurgia emerge da ausência de qualidade de vida e constante sofrimento físico e mental em que passa a apelante devido às fortes dores diárias, dificuldade de locomoção, limitações para a realização de atividades cotidianas, além da idade avança. É reconhecer à prevalência do direito à qualidade de vida, à saúde, ao bem-estar e, principalmente, à dignidade humana. 8. Impõe-se, por isso, a reforma da r. sentença para o julgamento de procedência da pretensão inicial, com a condenação dos apelados à realização do procedimento cirúrgico pleiteado. 9.Diante da inversão do ônus da sucumbência, é cabível a condenação das apeladas no pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 3º, do Código de Processo Civil, a serem rateados entre os réus, nos termos do artigo 87, § 1.º, do mesmo diploma legal. 10. Apelação da parte autora provida. (TRF3, ApCiv 50004041620194036002, SEXTA TURMA, Relator Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, publicado em 5/5/2021) (Grifos acrescidos) Com efeito, o prazo de 100 (cem) dias para a promoção da consulta médica com oncologista já foi há muito superado. Assim, deve ser reconhecido o direito da parte autora à realização da consulta médica especializada, conforme sua inclusão no sistema de regulação, a partir do que o profissional médico deverá direcionar o tratamento adequado a seu quadro de saúde. Por fim, cabe frisar que, embora não se desconheçam as dificuldades financeiras enfrentadas pelo sistema público de saúde, não podem os Entes Governamentais, ao argumento da chamada “reserva do possível”, eximirem-se de suas responsabilidades, sobretudo quando se trata da preservação de direito fundamental da pessoa humana, ou seja, o direito à saúde. Firme nessas razões, há de se acolher a pretensão descansada na petição inicial. II.3. Indenização por danos materiais e morais Tratando-se as entidades requeridas de pessoas jurídicas de direito público, devem elas ser submetidas às regras da responsabilidade objetiva, consoante art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988: Art. 37 (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Nesse contexto, para a caracterização da obrigação de indenizar, exige-se a presença de certos elementos, quais sejam: (a) o fato lesivo; (b) a causalidade material entre o evento danoso e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público (nexo de causalidade) e (c) o dano. Na ausência de algum desses requisitos ou na presença de causa excludente ou atenuante – culpa exclusiva ou concorrente da vítima no evento danoso – a responsabilidade estatal será afastada ou mitigada. Em que pesem as alegações autorais, o pleito de indenização não merece prosperar. Os danos materiais necessitam ser devidamente provados nos autos, o que não ocorreu na espécie. De fato, o documento referente ao valor de R$ 280,00 não se encontra assinado, e o timbre do laboratório de análises clínicas não faz qualquer menção ao profissional médico que teria percebido tal importância (id. 50930994). Além disso, o documento não está acompanhado de nota/cupom fiscal. Quanto aos danos morais, não há demonstração de que a demora na realização do tratamento do autor decorreu de uma ação deliberada dos Entes demandados. Ademais, é de conhecimento público o acúmulo de demandas de saúde no SUS, situação que presumivelmente piorou em decorrência da recente pandemia da Covid-19, quando foi suspensa a realização de inúmeros tratamentos, inclusive cirurgias eletivas. Por fim, embora não se olvide da gravidade do estado de saúde do autor e das limitações vivenciadas, o suplicante não demonstrou a ocorrência de danos efetivos e reais, tão somente fazendo remissão à demora da implementação de seu tratamento. Neste contexto, deve ser negada a indenização por danos materiais e morais requerida. II.4. Tutela de urgência O art. 300 do Novo Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) reza que: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Pela análise dessa norma, vislumbra-se que o legislador processual civil prevê a observância de três requisitos cumulativos para a tutela de urgência pretendida: a probabilidade do direito, o perigo na demora e reversibilidade dos efeitos da decisão. Em relação à probabilidade do direito, não restam dúvidas de seu cumprimento, conforme fundamentação acima exposta. Quanto ao perigo da demora, a demasiada demora na realização do tratamento médico de que o autor necessita, nos termos da fundamentação supra, demonstra a urgência do caso, dada a necessidade de permitir uma vida digna ao suplicante. Por sua vez, cumpre ressaltar que a tutela pleiteada não tem caráter irreversível, já que os requeridos, em caso de revogação da tutela de urgência, podem cobrar, pelas vias adequadas, o prejuízo suportado. E ainda que assim não fosse, é certo que no juízo de ponderação entre o interesse financeiro do Estado e o direito à vida/saúde previsto na Constituição da República, este há de preponderar, ante a sua natureza fundamental. Registre-se, por fim, que, ao estabelecer que não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação, o § 3º do art. 1º, da Lei nº 8.437/92, está se referindo, embora sem apuro técnico de linguagem, às liminares satisfativas irreversíveis, ou seja, àquelas cuja execução produz resultado prático que inviabiliza o retorno ao status quo ante, em caso de sua revogação (REsp 664.224/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/09/2006, DJ 01/03/2007, p. 230). Logo, a referida norma não é óbice à concessão da tutela de urgência pleiteada. Por seu turno, tenho que, neste momento, o direcionamento do cumprimento da decisão incumbe ao ESTADO DO CEARÁ, o qual deverá satisfazer a obrigação de fazer ora determinada, sem prejuízo de novos direcionamentos, caso se faça necessário em momento posterior. As obrigações assumidas por determinado(s) ente(s) réu(s) durante o cumprimento desta sentença, cuja responsabilidade legal para sua execução recaia sobre ente distinto, serão passíveis de compensação financeira entre os executados administrativamente. III. Dispositivo Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, resolvendo o mérito da demanda, nos termos do art. 487, inc. I, do CPC/15, para condenar a UNIÃO e a IRMANDADE BENEFICENTE DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORTALEZA, em face da responsabilidade solidária perante o SUS, na obrigação de fazer consistente na realização, em favor do autor, de consulta médica na especialidade oncologia e na consequente continuidade de seu tratamento oncológico, seja na IRMANDADE BENEFICENTE DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORTALEZA, seja em outra instituição especializada. Além disso, fica a IRMANDADE BENEFICENTE DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORTALEZA obrigada a entregar ao demandante o PRONTUÁRIO MÉDICO DO AUTOR PARA QUE POSSA DAR CONTINUIDADE O TRATAMENTO DE QUE A PARTE AUTORA NECESSITA E PELO TEMPO QUE NECESSÁRIO. DEFIRO a tutela de urgência para determinar à IRMANDADE BENEFICENTE DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORTALEZA que promova a obrigação de fazer acima disposta, adotando as medidas pertinentes, sem prejuízo de novos direcionamentos, caso se faça necessário em momento posterior. Para tanto, deve a IRMANDADE BENEFICENTE DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE FORTALEZA, no prazo de 20 (vinte) dias, sob pena de cominação de multa diária, demonstrar nos autos o agendamento da consulta médica com oncologista para prazo breve e razoável, sob pena de bloqueio/sequestro de valores. As obrigações assumidas por determinado ente réu durante o cumprimento desta sentença, cuja responsabilidade legal para sua execução recaia sobre ente distinto, serão passíveis de compensação financeira entre os executados administrativamente. Defiro a gratuidade da justiça. Sem custas e honorários advocatícios, em face do disposto no art. 55 da Lei Nº 9.099/1995. Havendo recurso, intime-se o recorrido para contrarrazões. Após, remetam-se para a Turma Recursal. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Tauá/CE, [data da assinatura eletrônica]. MARCELO SAMPAIO PIMENTEL ROCHA Juiz Federal Titular da 24ª Vara da SJCE PFD
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear