Uber Do Brasil Tecnologia Ltda. x Manoel Da Conceicao Rufino Neto
ID: 327855100
Tribunal: TRT22
Órgão: OJ de Análise de Recurso
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0000085-79.2024.5.22.0107
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/MG XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relatora: BASILICA ALVES DA SILVA RORSum 0000085-79.2024.5.22.0107 RECORRENTE: UBER DO…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relatora: BASILICA ALVES DA SILVA RORSum 0000085-79.2024.5.22.0107 RECORRENTE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. RECORRIDO: MANOEL DA CONCEICAO RUFINO NETO INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Decisão ID e4a317b proferida nos autos. RORSum 0000085-79.2024.5.22.0107 - 2ª Turma Recorrente: Advogado(s): 1. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. RAFAEL ALFREDI DE MATOS (BA23739) Recorrido: Advogado(s): MANOEL DA CONCEICAO RUFINO NETO PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA (MG124974) PEDRO ZATTAR EUGENIO (MG128404) RECURSO DE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Recurso tempestivo (decisão publicada em 30/06/2025 - Id 353cf84; recurso apresentado em 10/07/2025 - Id 57c8e90). Representação processual regular (Id 51cbfef). Preparo satisfeito. Condenação fixada na sentença, id ff80261: R$ 10.414,86; Custas fixadas, id 3144c66 : R$ 208,30; Depósito recursal recolhido no RO, id f171bf1 : R$ 10.414,86; Custas pagas no RO: id 2ed2751 . PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS TRANSCENDÊNCIA Cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica (art. 896-A da CLT), dispondo o § 6º do referido artigo que "O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise dos pressupostos intrínsecos e extrínsecos do apelo, não abrangendo o critério da transcendência das questões nele veiculadas." 1.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA (8828) / COMPETÊNCIA (8829) / COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO Alegação(ões): - violação do(s) inciso I do artigo 114 da Constituição Federal. A empresa recorrente aponta violação ao art. 114, I, da CF/19888, em face da incompetência material da Justiça do Trabalho, alegando se tratar de discussão acerca de relação civil, e não de relação de trabalho ou de emprego, sendo matéria afeta à Justiça Comum. Afirma que a relação jurídica travada entre as partes é unicamente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela plataforma Uber ao motorista autônomo, que agora reclama a existência de vínculo de emprego. O v. Acórdão (id. 73ad90a) consta: "PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO A empresa recorrente reprisa a preliminar de incompetência desta Justiça Especializada para apreciar e julgar o presente feito, eis que a relação jurídica travada entre os litigantes é unicamente comercial, pois decorrente da prestação de serviços de intermediação digital disponibilizado pela Uber do Brasil ao motorista de aplicativo autônomo. Sem razão. A Justiça do Trabalho é competente para julgamento das causas cujo pedido e causa de pedir denotem a existência de uma relação laboral que se subsuma a uma das hipóteses do art. 114 da CRFB/88, com exceção da parte final do inciso I deste artigo, que se refere às causas que sejam instauradas entre o poder público e seus servidores, entre si vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, eis que esta parte fora declarada inconstitucional pelo STF, na apreciação da ADIN n. 3395-6. Sabe-se que a fixação da competência se faz com base na situação abstrata exposta pelo propositor da ação, ou seja, deve se basear na causa de pedir e nos pedidos efetuados na exordial. Assim, como a parte autora ingressou neste Juízo alegando ter mantido com a empresa Ré uma relação de trabalho regida pela CLT, compete à Justiça Obreira analisar a matéria, consoante define o art. 114 da CRFB/88 e vindica sua responsabilidade pelos créditos trabalhistas daí decorrentes. Em razão da natureza do pleito deduzido, a lide atrai a competência desta Justiça Especial, a teor do que se dispõe a norma constante no art. 114, I, da Constituição da República. Diante de tal contexto, rejeita-se a preliminar." (RELATORA : DESEMBARGADORA BASILIÇA ALVES DA SILVA) Verifica-se que ao concluir pela competência da Justiça do Trabalho para julgar a demanda, a Turma do Regional decidiu em consonância com a jurisprudência do TST, não se vislumbrando violação ao dispositivo constitucional indicado. Neste sentido, apresentam-se os seguintes julgados daquela Corte: [...] II-AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. EM RECURSO DE REVISTA ADESIVO. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO DE TRABALHO. 1. A competência material da Justiça do Trabalho é fixada pelo pedido e pela causa de pedir. É definida a partir da existência de relação de trabalho ( lato sensu ) mantida pelos litigantes, quanto aos conflitos dela decorrentes, considerando a ampliação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que atribuiu a esta Justiça especializada a competência para processar e julgar todas as ações oriundas da relação de trabalho, inclusive as que versem sobre indenização por danos moral e material (art. 114, I e VI, da CR).(...) (RRAg - 849-82.2019.5.07.0002, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, Publicação: 17/12/2021) [...] RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ACESSO IRRESTRITO À PLATAFORMA. RELAÇÃO DE TRABALHO AUTÔNOMO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, rompendo a antiga ideia de que apenas as lides envolvendo relação de emprego, nos estritos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, seriam dirimidas por esta Justiça Especializada. No caso, o demandante, que trabalha como motorista para a Uber, afirma que a empresa tem restringido o livre exercício de seu ofício, bem como seu direito de escolher o local em que prefere praticar sua atividade laborativa, diminuindo, com isso, sua receita. Em que pese o reclamante não ter pleiteado o reconhecimento do vínculo empregatício, mas, somente, que a parte reclamada seja compelida a suspender os bloqueios territoriais impostos pelo aplicativo, em especial quanto ao acesso ao Aeroporto Internacional de Confins-MG, verifica-se tratar de demanda que decorre de relação de trabalho, ainda que autônomo. A obrigação de fazer pretendida, concernente ao acesso irrestrito ao aplicativo, cuja última finalidade é o incremento da remuneração, está diretamente relacionada às condições de trabalho oferecidas pela Uber aos motoristas parceiros da marca, por meio de seu aplicativo, sobressaindo, assim, a competência desta Justiça para apreciá-la, à luz do inciso I do art. 114 da CF/88. Transcendência jurídica reconhecida. Recurso de revista conhecido e provido.(RR - 10141-93.2021.5.03.0144, 8ª Turma, Relator Ministro Aloysio Correa da Veiga, Publicação: 26/08/2022) Desta forma, estando a decisão recorrida amparada na jurisprudência do TST, conforme julgados acima, inviável o processamento da revista. Inteligência do art. 896, §7º, da CLT, e Súmula 333 do TST. Ante o exposto, nega-se seguimento. 2.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / ATOS PROCESSUAIS (8893) / NULIDADE Alegação(ões): - violação do(s) incisos II, LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal. - violação da(o) §3º do artigo 1013 do Código de Processo Civil de 2015. A parte recorrente alega violação ao art. 5º, II, LIV e LV da Constituição Federal, sustentando a ocorrência de nulidade processual por supressão de instância e julgamento surpresa, vez que o acórdão reconheceu a relação de emprego e prosseguiu com o julgamento das matérias acessórias, sem prévia apreciação pelo juízo de origem. Aponta também ofensa ao art. 1.013, §3º do CPC, sob o fundamento de que não estavam presentes as hipóteses excepcionais que autorizam o julgamento imediato do mérito. Aduz que a supressão de instância comprometeu o devido processo legal e o contraditório, impedindo a interposição de recurso ordinário contra a decisão que deferiu verbas decorrentes do reconhecimento do vínculo empregatício. O r. Acórdão (id. 73ad90a) consta: "Evidente, portanto, que a situação ora analisada envolve a prestação de trabalho subordinado, uma vez que todos os aspectos, procedimentos e diretrizes do negócio são definidos unilateralmente pela empresa, que os fiscaliza, mantendo o controle de seu cumprimento. Assim, o TST já decidiu recentemente: "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA CONTRATANTE. RITO SUMARÍSSIMO. PLATAFORMA DIGITAL. MOTORISTA DE APLICATIVO. PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DA REALIDADE E DA PROTEÇÃO AO EMPREGO. VÍNCULO DE EMPREGO. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, CENTRALIDADE DA PESSOA HUMANA NO VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA, ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS (CF/88, ARTIGOS 1º, 3º, 5º, 6º, 7º e 170). DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL ( CAPUT DO ART. 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). Cinge-se a controvérsia em definir a relação jurídica do serviço prestado pelo motorista de aplicativo em plataforma digital. Tal relação é estabelecida por economia sob demanda ("on-demand economy"), por meio de plataforma conectada à internet, à qual os usuários - clientes cadastrados digitalmente - requerem a prestação serviços de locomoção pessoal ou de entrega de bens e serviços. Está claro que houve evolução das relações de trabalho muito mais rápida e maior do que a evolução da lei. Assim, nos casos de contratação por intermédio de plataformas digitais, cumpre analisar a controvérsia sobre a relação estabelecida entre as partes e, nos casos submetidos a esta justiça especializada, a constatação, ou não, dos requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. Na prestação desses serviços, tem-se que a atuação do profissional pode ser acompanhada em tempo real pela plataforma eletrônica da empresa (subordinação algorítmica), que verifica o trajeto, a velocidade desenvolvida e a avaliação do cliente. Podemos considerar ainda outras condições do controle da atividade laboral, entre as quais o fato de o contratado sofrer punição pelo cancelamento de corridas ou não manter o carro nas condições pré-determinadas, não haver liberdade de escolher sua clientela, destino, tempo de execução ou valor do serviço. No que se refere à pessoalidade, temos que a prestação de serviços para a empresa é realizada pelo motorista que preencheu os pré-requisitos empresariais de contratação - "termos de uso". Ademais, é impertinente o fundamento de que o motorista não assume os riscos do negócio, visto que, além de arcar com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), cabe a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos e naturais ocorridos, entre outros. Ressalta-se que a exclusividade com a contratante não é característica essencial do contrato de trabalho , e a habitualidade pode ser constatada pela continuidade da prestação de serviço. Analisando o direito internacional comparado, temos que a tendência mundial é de que os contratados por plataformas digitais tenham direitos mínimos assegurados ou até mesmo direitos trabalhistas reconhecidos. No Brasil, não existem normas específicas para regular esse tipo de contrato, contudo, existe extensa controvérsia jurisprudencial e doutrinária sobre a natureza jurídica dessa relação. Dessa forma, não pode o trabalhador ficar desamparado dos direitos mínimos consagrados em nossa Carta Magna e na vasta legislação celetista . Dadas as características dos atuais contratos, passamos ainda à problemática da previdência social, que seria responsável pelas possíveis eventualidades acometidas com os prestadores de serviços, sem a contribuição paritária das partes envolvidas no negócio jurídico, uma vez que o contratado não ostenta a qualidade de contribuinte previdenciário direto, o que traz insegurança jurídica ao próprio sistema garantidor social - SUS. Assim, no caso, demonstrada a prestação dos serviços em prol da empresa reclamada, a subordinação jurídica, a habitualidade e considerando a fragilidade e a insegurança suportada pelo prestador de serviços, correto o vínculo reconhecido. Incólumes, portanto, os dispositivos invocados. Precedentes e publicações específicas. Agravo de instrumento a que se nega provimento " (AIRR-31-63.2023.5.13.0022, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 22/11/2024). AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Para além da pungência socioeconômica que envolve a questão, o debate acerca da natureza do vínculo entre "motorista de aplicativo" e empresa gerenciadora da plataforma digital por meio da qual era prestado o serviço, não foi, ainda, equacionado na jurisprudência trabalhista nacional. Aspecto suficiente para a configuração da transcendência jurídica. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. RITO SUMARÍSSMO. requisitos do artigo 896, § 1º-A da CLT não atendidos. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. A despeito do entendimento do e. TRT, os aspectos factuais da relação desenvolvida entre reclamante e reclamado, registrados no acórdão de recurso ordinário, mostram-se suficientes ao reconhecimento de relação empregatícia, cuja camuflagem sob o epíteto de parceria, tem clara intenção de supressão dos direitos sociais e trabalhistas elencados no art. 7º da Carta Magna, em evidente ofensa à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, fundamentos insculpidos no art. 1º, incisos III e IV da Constituição Federal. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17. RITO SUMARÍSSMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. O tema relacionado à natureza do vínculo entre empresas gestoras de plataformas digitais que intermedeiam o serviço de motoristas demanda análise e decisão, pelas instâncias ordinárias, sobre as condições factuais em que esse trabalho concretamente se realiza, somente se configurando o vínculo de emprego quando contratados os motoristas, por essa via digital, para conduzirem veículos sob o comando de algoritmos preordenados por inteligência artificial. A flexibilidade de horário ou mesmo de jornada de trabalho é comum ao emprego que se desenvolve fora dos limites topográficos da empresa, razão pela qual não é aspecto decisivo para aferir a natureza da relação laboral. Importa verificar se o trabalho é estruturado, gerenciado e precificado por comando algorítmico, sujeitando-se a sanções premiais ou disciplinares o trabalhador obediente ou insubordinado, respectivamente. Presentes essas condições factuais, está o motorista a protagonizar um contrato de emprego relacionado a transporte de passageiros, figurando a plataforma digital como instrumento para a consecução dessa prestação laboral. Não se apresenta tal trabalhador como um sujeito, apenas, de parceria tecnológica, ainda que a instância regional, frente a esses mesmos fatos, tenha intuído ser outra a natureza jurídica do vínculo. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 00007999220215080120, Relator: Augusto Cesar Leite De Carvalho, Data de Julgamento: 12/04/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 19/05/2023) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO ". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT ). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade , o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural , mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada . Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022). Nesse sentido, precedentes recentes da 1ª Turma deste Regional (RO 1194-77.2023.5.22.0006, Relator Francisco Meton Marques de Lima, j. 16/12/2024 e RO 601-26.2024.5.22.0002, Relator Arnaldo Boson Paes, j. 16/12/2024). Desse modo, ante o quadro acima delineado e o princípio da proteção do trabalhador, conclui-se estarem presentes os elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, na forma do art. 3º da CLT. Quanto à forma de extinção do contrato de trabalho, não foram apresentadas provas de que o reclamante tenha incorrido em descumprimento dos termos de uso do aplicativo, a ensejar a justa causa arguida pela empresa. Assim, e em decorrência do princípio da continuidade da relação de emprego, presume-se que a rescisão contratual se deu por iniciativa da parte reclamada, sem justa causa e sem a devida comunicação prévia ao empregado. Consequentemente, são devidas à parte trabalhadora as parcelas rescisórias típicas dessa modalidade de desligamento. Assim, restam mantidas as verbas reconhecidas em sentença, inclusive a multa do art. 477, § 8º, da CLT, conforme entendimento consolidado na Súmula 462 do C. TST. No tocante ao pedido de verificação dos períodos offline ou de inatividade do trabalhador, inclusive para afastar as férias postuladas pela parte obreira, não prospera, tendo em conta que foram considerados os períodos de efetivo labor, conforme histórico de viagens do reclamante, que demonstram o início de atividade em 17/05/2023, aliado às disposições do contrato de trabalho intermitente, em que algumas verbas deveriam ter sido pagas ao final de cada período, nos termos do art. 452-A, § 6º, da CLT, o que não ocorreu. Desse modo, mantidas as verbas objeto da condenação, inclusive as férias proporcionais ali deferidas (3/12). Ademais, a insurgência da reclamada quanto à média salarial igualmente não prospera, tendo em conta que a decisão recorrida considerou a média de R$ 2.800,00 apontada pelo reclamante, cujo valor é inferior ao apurado no relatório apresentado pela empresa. " (RELATORA: DESEMBARGADORA BASILIÇA ALVES DA SILVA) Como já assinalado, em trâmite sob o procedimento sumaríssimo, inconcebível o recurso de revista por violação a dispositivo da legislação infraconstitucional, na forma do art. 896, § 9º, da CLT, remanescendo o exame da alegação de ofensa direta à Constituição Federal. O acórdão regional, após análise do conjunto fático-probatório dos autos, reconheceu o vínculo de emprego entre as partes, prosseguindo com o julgamento das verbas decorrentes do vínculo, com base no artigo 1.013, § 3º, do CPC, haja vista estar a causa em condições de imediato julgamento. Nesse contexto, não se constata violação aos princípios constitucionais invocados, sendo legítimo o julgamento pelo Tribunal Regional diante do conjunto probatório já formado, inexistindo nulidade processual. Com o mesmo entendimento do acórdão, cita-se recente precedente do TST: "AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. 1. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA NÃO CONFIGURADA. TRANSCENDÊNCIA. NÃO RECONHECIMENTO. I. A respeito do tema, esta c. Corte Superior entende que, nos termos do art. 515, § 3º do CPC/73, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, é possível o julgamento do mérito pelo órgão ad quem, sempre que a causa versar sobre questão exclusivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, estiver em condições de imediato julgamento (teoria da causa madura). II. No caso dos autos, o Tribunal Regional entendeu que o feito encontrava-se instruído, não necessitando de retorno à origem, uma vez que a causa estava madura para análise. O entendimento do Tribunal Regional não configura violação direta do art. 515, § 1º, do CPC de 2015. [...]"(Ag-AIRR-22164-49.2017.5.04.0511, 7ª Turma, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 23/05/2025). Ante o exposto, não se admite o recurso de revista quanto ao tema. 3.1 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO (13707) / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO Alegação(ões): - violação do(s) inciso IV do artigo 1º; artigo 170; incisos II, LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal. - violação da(o) artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho. A recorrente insurge-se contra a decisão Colegiada que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre as partes. Refuta todos os requisitos necessários à configuração do vínculo de emprego (pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e, sobretudo a subordinação jurídica), alegando que disponibiliza uma plataforma tecnológica ao motorista, sendo que seu objeto social - e a prática das suas atividades - está relacionada à manutenção dessa plataforma digital. É fato notório e incontroverso que a Uber não possui carros nem realiza direta ou indiretamente nenhum serviço de transporte. Pontua: a) em relação à habitualidade, que na relação jurídica entre Uber e os motoristas parceiros é impossível conceber que os motoristas podem ficar dias ou meses sem se conectarem ao aplicativo, e, ainda assim, poderem ser equiparados aos empregados da parte recorrente; b) em relação à onerosidade, que são os motoristas que realizam o pagamento da Uber pelo uso da plataforma digital, conforme "Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital" e que os valores recebidos pelos mesmos não se enquadram no conceito de "salário" ou "remuneração"; c) em relação à pessoalidade, os motoristas-parceiros podem se fazer substituir por outro indivíduo que já esteja previamente cadastrado na plataforma, que não ocupam um cargo, nem detém um posto de trabalho; d)em relação à subordinação jurídica, falta base legal para aplicação da "subordinação algorítmica", conceito não abrangido pela dicção do art. 2º e 3º da CLT. Registra que o STF, em recente decisão, declarou a existência de repercussão geral no recurso extraordinário RE 1.446.336, que gerou o tema 1291 de repercussão geral no STF: reconhecimento de vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital que discute justamente a potencial violação ao art. 1º, IV e 170, IV da Constituição Federal. Pleiteia a reforma da decisão para afastar o reconhecimento da relação de emprego e, por consectário, todas as obrigações de pagar e de fazer. O r. Acórdão (id. 73ad90a) consta: "VÍNCULO DE EMPREGO A controvérsia cinge-se à existência ou não de vínculo empregatício entre as partes. A parte recorrente alega que se trata de relação autônoma, pugnando pela reforma da sentença. Neste particular, todavia, mantém-se a sentença, por seus próprios fundamentos, na forma prevista no art. 895, § 1º, IV, da CLT, conforme a seguir transcritos, acrescendo-se, ao final, razões complementares da Relatora: "MÉRITO: 3. Relação jurídica entre as partes O reclamante pleiteia na petição inicial o reconhecimento de vínculo empregatício com ré, na função de motorista, através de contrato de trabalho intermitente, no período compreendido entre 15.02.2023 e 20.08.2023, quando foi bloqueado sem receber qualquer direito trabalhista. Aduz que percebia uma média mensal de R$ 700,00 e que estão presentes os requisitos ensejadores do reconhecimento do contrato de trabalho. Requer, pois, o pagamento das verbas contratuais e rescisórias previstas na CLT. Por sua vez, a demandada alega que diferentemente do que fora afirmado na inicial, a Uber não explora a atividade empresarial de transportes. Afirma que a Uber explora a chamada economia de compartilhamento, especificamente da espécie "on-demand economy" (economia sob demanda), na qual, através de uma plataforma conectada à internet (aparelho celular), apresenta um grande número de consumidores (demanda) cadastrados na plataforma digital, a trabalhadores independentes (oferta), que também se encontram cadastrados na mesma plataforma. Alega que a relação jurídica existente entre a Uber e os motoristas-parceiros possui eminente natureza de parceria comercial, não se identificando nela os pressupostos legais necessários à materialização do instituto empregatício. Aduz que são os usuários (aqueles que solicitam as viagens) os verdadeiros contratantes dos serviços prestados pelos motoristas-parceiros. Ressalte-se que, em matéria de vínculo de emprego, quando negada a prestação de serviços, incumbe ao autor o ônus de comprovar os elementos caracterizadores da relação de emprego, por serem fatos constitutivos de direito seu (art. 818, I, da CLT). Lado outro, não obstante o ônus da prova da existência de vínculo empregatício constituir encargo da reclamante, a parte reclamada, quando admite a prestação de serviços, atrai para si o encargo da prova de que tal prestação revestiu-se de outra roupagem que não a relação de emprego, haja vista tratar-se de fato modificativo ou extintivo da pretensão autoral (art. 818, II, da CLT). No caso dos autos, a reclamada reconheceu a prestação de serviços, no entanto, negou a existência de relação de emprego, sob o argumento de que havia prestação autônoma de serviços. Inicialmente, registro que, nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, a configuração de qualquer vínculo empregatício, conforme doutrina e jurisprudência majoritárias, depende da presença concomitante de cinco clássicos requisitos, a saber: prestação de trabalho por pessoa física, pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. A parte reclamada, em sede de defesa, rechaça a existência dos requisitos do vínculo empregatício, sustentando a ausência de subordinação, haja vista que era o reclamante que escolhia onde, quando e como utilizaria o aplicativo disponibilizado pela ré. Afirma, ainda, que ele era inteiramente livre para usar o aplicativo apenas nos dias ou meses ou anos de sua escolha e apenas nas regiões da cidade que fossem de seu interesse, já que poderia não aceitar qualquer viagem ou mesmo cancelar uma viagem já aceita. Aduz que o motorista pode ficar online e offline quantas vezes quiser por dia, sendo certo que jamais houve qualquer imposição ou cobrança pela reclamada, constituindo desde o princípio um contundente indício de liberdade por parte do motorista frente à Uber. Defende, ademais, que não há como se falar na alegada onerosidade ao caso concreto, uma vez que os valores eram pagos pelos usuários diretamente ao reclamante e, no caso de o pagamento ser feito em dinheiro, o reclamante recebia o montante correspondente à sua viagem ao final da mesma, sendo que o rateio das receitas se dava, em média, em 25% à Uber e 75% ao reclamante. Aduz, na sequência, que o reclamante recebia o extrato do valor pago pelo usuário e do percentual destinado ao pagamento, pelo motorista à plataforma, por questões de transparência, não se tratando de pagamento de tarefa. Assevera que o motorista pode permanecer offline pelo período que entender necessário, o que, em realidade, impede o atendimento de toda a dinâmica que é característica do contrato intermitente. Informa que a Uber não tem qualquer previsibilidade de quando o motorista-parceiro estará online, fica impedido de realizar convocações nos moldes estabelecidos pelos §§ 1º e 2º, do art. 452-A, da CLT e afasta a expectativa de continuidade da prestação de serviços e habitualidade. Afirma que não havia pessoalidade, uma vez que o reclamante poderia se fazer substituir por qualquer outro motorista habilitado sem qualquer ciência da reclamada, inclusive com possibilidade de compartilhar o veículo com vários motoristas. Em audiência, as partes convencionaram os seguintes pontos como incontroversos: 1- ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma; 2- o motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor; 3- não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias; 4- ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; 5- o motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo; 6- é critério do motorista utilizar outras plataformas; 7- o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma; 8- poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro; 9- o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro; 10- a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia/mês; 11- a reclamada aceita que dois motoristas usem o mesmo veículo, desde que utilizem login próprio; 12- não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista. Vejamos os depoimentos prestados, aqui utilizados como prova emprestada: A testemunha Chrystinni Andrade Souza ouvida em audiência realizada em prol do processo 0010075-53.2019.5.03.0025, assim disse em juízo: "é empregada da Uber desde abril de 2017, inicialmente como agente de atendimento e posteriormente como supervisora de atendimento; a depoente tem um ponto fixo de trabalho, situado na Avenida Getulio Vargas; no aplicativo podem se cadastrar somente pessoas físicas; a Uber não determina para os motoristas uma zona específica onde possa dirigir, nem o horário respectivo; o motorista parceiro pode ter outros motoristas vinculados a sua conta; se o motorista parceiro não quiser oferecer bala e água, não sofre punição; o motorista pode usar aplicativos concorrentes; o GPS já indica uma rota, mas fica a cargo do motorista e do passageiro, em comum acordo, escolherem a melhor rota; a Uber emite nota fiscal para o motorista; o motorista não tem autonomia de fazer cadastro de outros motoristas; cada motorista que roda tem que ter um login e uma senha pessoais; não conhece o reclamante; quando o passageiro dá nota e faz comentário sobre o motorista, este último tem acesso a nota e ao comentário, mas não ao passageiro que os deu; a nota serve para avaliar a qualidade do serviço prestado ao passageiro; se o motorista tiver uma nota baixa, ele recebe um e-mail automático informando que a nota dele está abaixo da média da região; se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria; existem promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local; não sabe dizer exatamente quem apura as notas mencionadas. Nada mais. Dos autos do processo nº 0100776-82.2017.5.01.0026, foi admitido como prova emprestada o depoimento de Vitor de Lalor Rodrigues da Silva: "que é gerente de operações no RJ; que qualquer pessoa pode acessar a plataforma para a Uber; que não é feita entrevista nem feito treinamento; que não há uso de uniforme obrigatório; que não há chefe para o motorista parceiro; que o motorista não envia relatório; que não precisa autorização para desligar o aplicativo; que não é obrigatório bala e água; que é possível o motorista cadastrar mais uma pessoa para conduzir o veículo; que o pagamento é feito ao motorista principal mas o auxiliar recebe um relatório do que ele fez; que é possível usar o aplicativo de concorrente e não há punição; que a avaliação do motorista é feita apenas pelo usuário; que o motorista também avalia o usuário, sem interferência da empresa; que o caminho a ser seguido é decisão do usuário; que é possível ao motorista ficar dias sem se conectar, inclusive longos períodos (6 meses/1 ano) sem precisar avisar ninguém; que o cancelamento de viagem pelo motorista não gera punição; que pode ocorrer de um motorista cancelar a viagem durante seu desenvolvimento; que o motorista pode dar desconto se o pagamento é feito em dinheiro; que não há ajuda financeira da Uber ao motorista para combustível, IPVA e manutenção; que a Uber emite nota fiscal; que se o usuário tem algum débito isso é cobrado na viagem seguinte". O depoimento de Walter Tadeu Martins realizado nos autos da RT nº 0010200-28.2022.5.03.0021 tem o seguinte teor: "que é empregado da reclamada; que é gerente de pesquisa e desenvolvimento; que o motorista tem liberdade para definir dias e horários em que estará online; que não tem poderes para contratar e dispensar empregados da Uber, assim como não tem poder para definir valores a serem cobrados por viagens; que não registra sua jornada em cartão de ponto; que no credenciamento não existe entrevista ou treinamento; que o cadastro não é realizado pessoalmente, mas pelo sistema da reclamada; que quando faz o cadastro o motorista tem acesso aos termos de uso do aplicativo. Foi indeferida seguinte pergunta da reclamada "Se o cliente também tem acesso ao termo de uso da reclamada". Protesto da reclamada. "que para ser cadastrado o motorista tem que dar o "aceite" no termo de uso do aplicativo; que o cadastro é pessoal e intransferível; que eventualmente a Uber pode pedir uma selfie por questões de segurança; que não há treinamento para uso do aplicativo; que o motorista não é descadastrado por ficar um espaço de tempo sem utilizar o aplicativo; que não há um período máximo no qual o motorista pode ficar descadastrado; que o motorista não apresenta relatórios para a reclamada; que o motorista não é punido quando não está online; que o motorista não é obrigado a enviar atestado médico para a reclamada; que o motorista pode se cadastrar e permanecer online em outros aplicativos; que a rota da viagem é definida em conjunto pelo motorista e passageiro; que o motorista escolhe o local onde permanecerá online; que o veículo pode ser compartilhado com outros motoristas, mas todos devem estar cadastrados; que a reclamada não exige um número mínimo de viagens a serem feitas; que o motorista é avaliado pelo passageiro e vice-versa; que a avaliação não interfere na distribuição de viagens; que o motorista pode ser descadastrado se mantiver uma nota abaixo da média definida para a cidade de atuação; que não sabe como são distribuídas as viagens; que o motorista não é descadastrado quando apresenta alto índice de recusa de viagens; que após a viagem o motorista pode fazer contato com o suporte e fazer comentários sobre o comportamento do usuário; que desde 2017 o recebimento da corrida em dinheiro já está disponível; que não sabe se o reclamante já concedeu desconto para passageiro no caso de pagamento em dinheiro; que no UberX o percentual retido pela reclamada é 25% do valor da corrida; que a reclamada faz promoções para motoristas e clientes, mas o motorista não é obrigado a participar da promoção; que os motoristas não são classificados em categorias; que a reclamada não estabelece meta para os motoristas; que o UberPro diz respeito a benefícios concedidos no caso de o motorista realizar o maior número de viagens, dentre os quais, bolsa para curso de inglês, desconto em combustível e desconto em academia; que o valor da viagem é definido de acordo com o tempo e distância; que a tarifa dinâmica é definida por região e visa atrair motoristas para determinadas regiões; que a reclamada não monitora o motorista quando o aplicativo está desativado; que o motorista fica impossibilitado de fazer viagens no caso de problemas de documentação ou quando há algumas verificações; que não sabe se a reclamada possui pessoal que cuida do descredenciamento; que quando o cliente apresenta a reclamação, o motorista pode apresentar sua versão; que a Uber oferece um seguro por acidentes pessoais para o motorista e passageiro; que a reclamada não exige que o motorista contrate seguro; que não sabe se já houve reclamação em relação ao reclamante; que não sabe se o reclamante era cordial com os passageiros; que a reclamada não estabelece o tipo de vestimenta que o motorista pode usar; que o cadastro é realizado no sistema mas o motorista pode comparecer no espaço Uber para receber orientações sobre como se cadastrar no aplicativo". Nada mais. Inegável que a revolução tecnológica trouxe novos paradigmas pertinentes aos processos produtivos e à organização do trabalho, influenciando de forma intensa nas relações de trabalho, assim como no núcleo mínimo de sua proteção, conferido pelas normas constitucionais e infraconstitucionais. Nessa esteira, surgem modelos de organização do trabalho em que a força laboral é colocada à disposição por intermédio de plataformas digitais que atuam com sistema de demanda, ou seja, através do aplicativo prestadores e consumidores visualizam a oferta e demanda e o trabalho é realizado com o consequente pagamento ao final, sendo exemplo mais próximo de todos, justamente o caso que ora se examina, qual seja, a plataforma UBER. Na plataforma disponibilizada pela ora demandada (UBER DO BRASIL), os interessados, proprietários ou locatários de veículos comuns, preenchidos certos requisitos previamente por ela estabelecidos, podem se cadastrar no aplicativo e, assim, ficam disponíveis aos usuários-clientes para transportá-los em seus automóveis, mediante o pagamento de preço antecipadamente ajustado (calculado pelo próprio aplicativo), sendo que parte dele é transferido à UBER. De início, constata-se que o real objeto social da demandada é o de transporte de pessoas. Conquanto a ré defenda o mero fornecimento de plataforma digital para os motoristas parceiros a fim facilitar sua comunicação com os passageiros, outra realidade se impõe (princípio da primazia da realidade), uma vez que seu produto principal é o transporte de passageiros, o que bem se evidencia à observação de que é ela quem define unilateralmente os preços do serviço. O trabalho sob demanda, por meio de aplicativos, ainda não recebeu do legislador regulamentação que garanta aos trabalhadores direitos mínimos e proteção a sua saúde e segurança. Oportuno lembrar que no ordenamento pátrio, a relação de emprego, isto é, o vínculo que goza de proteção jurídica, é a regra, ao passo que outras formas de trabalho são a exceção. No entanto, tem havido acelerado crescimento de outras modalidades de trabalho, abarcando milhões de trabalhadores, com pouca ou nenhuma proteção jurídica. Neste cenário, não se pode olvidar que a Constituição Federal, em seu art. 7º estipula que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, entre outros: "XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" e "XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei", o que inclui eventuais prejuízos causados pela robótica, microeletrônica e cibernética. A realidade é que, não obstante todas as transformações do mundo moderno, os requisitos da relação de emprego continuam sendo aqueles do art. 3º, da CLT, embora a subordinação de que cogita tal dispositivo tenha sido pensada para as situações em que ocorrem ordens diretas do empregador ou dos seus prepostos aos trabalhadores, geralmente através de comandos diretos, no interesse da produção. Com efeito, as relações de trabalho têm sofrido intensas modificações com a revolução tecnológica, de modo que incumbe a esta Justiça Especializada permanecer atenta à preservação dos princípios que norteiam a relação de emprego, desde que presentes todos os seus elementos. O primeiro dos pressupostos necessários à configuração da figura do empregado trata-se de elemento de natureza subjetiva, que é a prestação pessoal de serviços. Implica dizer trabalho realizado pessoalmente pelo autor, tendo como beneficiário o réu. Ora, no caso dos autos, a atividade é prestada por pessoa física que se submeteu a um cadastro pessoal e intransferível após o cumprimento de requisitos mínimos, com a apresentação de documentos pessoais, bem como, conforme relato da testemunha Walter Tadeu Martins, o eventual envio de selfie no curso da prestação do serviço. Assim, o vínculo mantido pela ré com cada motorista que utiliza a plataforma é personalíssimo, independente de ser ou não proprietário do veículo. A onerosidade é revelada pela retenção dos valores pela reclamada e repasse posterior para o reclamante, com a dedução de seu percentual (25%). Ademais, toda a política de preços, forma de pagamento, promoções, descontos aos usuários é gerida pela ré. A não-eventualidade é verificada sob a ótica das teorias do evento e dos fins do empreendimento. Aplicando a primeira teoria ao caso, vê-se que o trabalho era prestado permanentemente, o que se depreende pelas datas das viagens consignadas nos documentos de ID. 449a11d - fl. 492/810. E, ainda que reste incontroverso que a escolha do dia e horário de trabalhar seja tomado pelo autor, o período em que estivesse offline não caracterizava a transitoriedade da prestação, mas apenas intermitência, o que não afasta a não eventualidade necessária ao estabelecimento da relação de emprego. Já pela segunda teoria, o requisito da não eventualidade prescinde a necessidade de labor em todos os dias da semana e não mantém relação com duração determinada da prestação do trabalho, mas sim com atividade essencial para o alcance dos fins econômicos da empresa. No caso dos autos, o trabalhador está inserido nas atividades habituais da empresa, sendo o labor do demandante imprescindível para a consecução do objetivo empresarial. Ademais, para os motoristas profissionais empregados não há necessidade de fixar horários de início e término de jornada. Por fim, resta analisar a subordinação jurídica. No caso em apreço, o trabalhador é submetido a controles contínuos, haja vista que precisa estar conectado à plataforma digital e à ordens na execução de suas tarefas, submetendo-se a uma organização unilateral dos atendimentos, devendo observar regramentos sobre o comportamento, bem como sujeitar-se ao sistema de avaliação dos motoristas, cuja nota abaixo da média da cidade de atuação pode ensejar o seu descredenciamento, o que demonstra o poder diretivo e disciplinar da reclamada acerca de sanções em razão de descumprimento de normas unilateralmente estabelecidas. Portanto, da discriminação acima, depreende-se nitidamente expressões dos poderes empresariais regulamentares, diretivo e disciplinar, não detendo o autor liberdade de ajustar preços com os passageiros a cada viagem, sendo-lhe vedada a divulgação de seus serviços fora da plataforma com a entrega de cartões pessoais de visita, sob o risco de descredenciamento (ID. 5f772e7 - fls. 37), concluindo-se, pois, que os passageiros eram da demandada, e não do demandante, como o seria em um real trabalho autônomo. Pertinente relembrar, inclusive, que o monitoramento eletrônico, via plataforma digital, é equiparado aos meios pessoais e diretos de vigilância contratual pela empregadora, como preceitua o parágrafo único do art. 6º da CLT, corroborando a subordinação na sua concepção clássica: Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Aqui é importante destacar que o fato do trabalhador receber 75% dos serviços não é incompatível com a relação de emprego, haja vista que os custos pela aquisição e manutenção do veículo, combustível, tributos, multas, internet móvel e aparelho celular são arcados pelo motorista, o que reduz sensivelmente esse percentual. Também não se pode falar em assunção do risco do negócio pelos motoristas. Do que se cuida é da transferência da maior parte do custo do negócio para os trabalhadores, na medida em que a reclamada não possui frota de veículos. E por fim, registre-se que a exclusividade não é pressuposto fático-jurídico constitutivo do vínculo de emprego, de modo que a ativação do reclamante em mais de uma plataforma não o descaracteriza. Diante do exposto, tem-se que está comprovado que o labor pessoal do autor foi prestado de forma não eventual, onerosa e subordinada, como definido no art. 3º da CLT. Veja-se julgado do C. TST neste sentido: RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE "OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cingese a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da Republica (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da Republica de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador /tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade, o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC /15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva, tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural, mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada . Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 1003530220175010066, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 06/04/2022, 3a Turma, Data de Publicação: 11/04/2022) A hipótese, por conseguinte, é de reconhecimento do liame empregatício, no período compreendido entre 15.02.2023 e 11.08.2023, considerando a data inicial limitada no pedido e o encerramento pelo relatório de ID. 449a11d - fl. 492 /810. Registre-se, ademais, que o caso bem se amolda ao contrato de trabalho intermitente, previsto no art. 452-A da CLT, haja vista que o empregador disponibiliza o serviço e o empregado aceita ou não este, conforme arts. 452-A, §§ 1º e 2º da CLT. Com efeito, na referida hipótese contratual, a prestação dos serviços não é contínua, ou seja, há alternância de períodos de labor e de inatividade em dias, horas, meses, independentemente do tipo de atividade e sem que isto prejudique a subordinação, conforme art. 452-A, §3º da CLT. Desse modo, entendo pela caracterização do contrato de trabalho intermitente. Nesse passo, a CTPS deve ser anotada com a função de motorista e considerando que a reclamada juntou o documento de ID. 449a11d - fl. 492 /810, no qual consta os valores pagos a título de viagens, deve ser observado, para registro em CTPS, o valor médio mensal auferido pelo autor constante da vestibular, qual seja, R$ 2.800,00, ante os limites do pedido, uma vez que inferior ao valor extraído do relatório juntado pela reclamada. Para tanto, o reclamante deverá entregar a CTPS na secretaria desta Vara, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da decisão, para que a reclamada proceda às anotações para constar admissão em 15.02.2023, demissão em 11.08.2023, função de motorista e salário de R$ 2.800,00 mensal, no prazo de oito dias, após intimada para tanto, sob pena de, em caso de descumprimento, ser cominada multa de um salário-mínimo (art. 536 do CPC/15), reversível ao reclamante (art. 537, § 2º, do CPC) a ser executada simultaneamente com as demais parcelas eventualmente devidas neste decisum, devendo a presente obrigação de fazer ser cumprida pela Secretaria desta Vara, independentemente da execução da multa. Os prazos e penalidades aqui estipuladas também servem para registro em CTPS digital. Revendo posicionamento anterior em sentido contrário, verifica-se que a sentença não merece reforma quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego entre os motoristas de aplicativo e a plataforma digital Uber. Explica-se. É fato público e notório que a empresa ré consiste numa plataforma virtual em que são cadastrados passageiros e motoristas com vistas, respectivamente, a usufruir e prestar um serviço de transporte, mediante adesão às normas de uso definidas pelo aplicativo, sendo que o rendimento da empresa advém de um percentual do valor cobrado pela efetiva realização do serviço de transporte. Portanto, o objetivo da plataforma não é simplesmente promover o contato entre os interessados, mas sim a efetiva realização do serviço de transporte. Não se alegue que a única atividade da parte Ré seja promover o contato entre clientes, porque se assim o fosse era de se esperar que auferisse renda pelo próprio uso do aplicativo, cobrando por sua instalação ou pelo cadastramento na plataforma; entretanto a empresa ré cobra sobre a efetiva realização do serviço de transporte do passageiro. Embora a parte reclamada alegue que tanto passageiros quanto motoristas são seus clientes e, portanto, contratantes dos seus serviços, trata-se de um contrato de adesão, com todos os termos fixados unilateralmente pela parte reclamada, inclusive quanto à forma de prestação de serviço e ao veículo utilizado. Além disso, a empresa reclamada efetua um constante controle acerca da qualidade do serviço prestado, mediante mecanismos de avaliação dos motoristas pelos passageiros, bloqueios de motorista conforme a reclamação do passageiro, o que evidencia que a parte reclamada prioriza a qualidade do serviço prestado pelo motorista e a satisfação do passageiro, tornando certo o ramo de atuação da empresa ré como sendo o da prestação de serviço de transporte. Portanto, tem-se que a parte reclamada oferece aos usuários passageiros um serviço de transporte a ser executado pelos usuários motoristas, ambos cadastrados em sua plataforma digital. Dito isso, importa dizer que o princípio da primazia da realidade é uma premissa das mais importantes no âmbito do Direito do Trabalho e, com base neste princípio, o julgador deve verificar se, no caso concreto em análise, estão configurados os requisitos do art. 3º da CLT, de maneira que o conjunto probatório que evidencie a existência de relação de emprego prevalece sobre documentos que formalizem a relação de trabalho de forma diversa e até mesmo afasta a aplicação de outra legislação que não a CLT. Assinala-se, ainda, que, uma vez admitida à prestação de serviço, como no caso, cabe a parte reclamada o ônus de provar a inexistência do vínculo empregatício, porquanto aduz fato que impede a formação da relação de emprego (fato impeditivo), atraindo para si o encargo probatório nos termos do art. 818, II, da CLT, presumindo-se, caso não se desonere deste encargo processual, tratar-se, de fato, de relação de emprego. No caso concreto, em contestação, a empresa reclamada admite que a parte obreira prestou serviços através de contrato firmado de cunho eminentemente civil, através de cadastro como Motorista na plataforma digital da empresa. Afirma, pois, tratar-se de relação de parceria e não de uma relação de trabalho e muito menos de emprego. Assim, como se disse, admitida a prestação de serviços em seu favor, cumpre à parte reclamada o ônus de provar que a relação estabelecida entre as partes não era revestida dos elementos caracterizadores do vínculo e que se tratava de trabalho autônomo e eventual consoante apregoa a defesa. Tem-se que, salvo melhor juízo, deste ônus não conseguiu se desvencilhar a parte ré. Conforme os bem lançados fundamentos da sentença, extrai-se das provas emprestadas, que havia controle da reclamada na prestação laboral pela parte reclamante. Some-se a isso o fato de que o valor da corrida não era definido pelo trabalhador, o que afasta a aludida autonomia. Da análise dos depoimentos testemunhais e pessoais, é possível ver que estão presentes todos os requisitos da relação empregatícia acima ditos. A prova produzida nos autos corrobora a configuração da relação de emprego, evidenciando que o suposto trabalho autônomo constitui forma de mascarar o trabalho subordinado, atraindo a incidência do princípio da primazia da realidade e a aplicação do art. 9º da CLT, segundo o qual são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da legislação do trabalho. Logicamente a prestação de serviços é pessoal, vez que os motoristas são submetidos a avaliação prévia, com análise de documentos pessoais, como RG, carteira de motorista, etc. Não há elementos aptos a demonstrar a falta de habitualidade na prestação de serviços - o que a empresa poderia comprovar através dos relatórios dos serviços feitos pelo Reclamante gerados pelo próprio aplicativo, ressaltando-se que a configuração da habitualidade não exige prestação de serviços todos os dias, mas de modo frequente e compatível com a forma de funcionamento da empresa: habitual. Importante salientar que a execução naturalmente intermitente das corridas não afasta o requisito da não eventualidade, pois a delimitação prévia e/ou fixa de jornada não é requisito da relação de emprego, nos termos dos artigos 2º, 3º e 62 da CLT. O controle de jornada é meramente acessório ao contrato de emprego, sendo que o controle do labor, pela parte ré, dá-se de outra forma que não pela aferição do cumprimento da jornada de trabalho. A onerosidade evidente que está presente, pois o valor do serviço e o mecanismo de recebimento de valores dos passageiros é fixado pela empresa Ré e, na maioria das vezes, arrecadado pelo sistema, com automática separação de um percentual para a empresa e outro para o motorista quando o pagamento é feito eletronicamente. Ficou comprovado também que, quando o passageiro paga em dinheiro, a empresa debita a parte que lhe cabe na próxima corrida, de modo que toda a prestação de serviço é remunerada. Neste particular, tem-se que, apesar de maior o percentual do valor do serviço cabível ao motorista, isso se deve ao fato de que os maiores custos da atividade (IPVA, combustível, limpeza e manutenção do veículo) também eram contratualmente deixados a cargo deste, não por opção, mas por condição da contratação, como um contrato de adesão. Relativamente à subordinação, de resto, sobejamente demonstrada em sua forma direta e estrutural, encontram lugar as lições de Maurício Godinho Delgado que, citando Paulo Emilio Ribeiro de Vilhena, a explica como sendo "A subordinação que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento". Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços (DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, obra revista e atualizada - 19ª Ed - São Paulo: LTr, 2020, pp. 360-361). A diferenciação entre trabalhador autônomo e empregado é bastante sutil, e o principal fator de distinção é a subordinação jurídica ou dependência hierárquica. Desta forma, no caso presente, cabe-nos averiguar o grau de ingerência da parte reclamada na atividade da parte reclamante. A empresa reclamada vale-se de algoritmo programado e constantemente reprogramado no sentido do direcionamento das atividades laborais de seus motoristas, estratégia empresarial de plataformas digitais que se presta a mascarar relações de emprego e submeter o trabalhador a formas manifestamente precários de trabalho. No particular, sequer minimamente se desenha autônoma a prestação de serviços de motorista de aplicativo, máxime por se tratar de uma liberdade programada por algoritmo que despreza o trabalhador como figura humana. A subordinação verificada, no caso, decorre do controle automatizado realizado por um código de programação: os algoritmos. Ficou comprovado que, ao motorista cabe apenas aceitar os termos de uso da plataforma, por adesão às cláusulas do contrato disponibilizado quando do cadastramento na plataforma digital. A empresa reclamada ainda define, padroniza todo o serviço que é disponibilizado através do aplicativo de celular mediante critérios inseridos no funcionamento do próprio aplicativo (algoritmo), tais como a definição da rota, dos critérios de cálculo do valor do serviço, dos itens a serem avaliados pelos passageiros em relação aos motoristas, dos critérios adotados para diminuir ou aumentar o número de clientes direcionados para o motorista. Em verdade, a partir do momento em que o motorista se conecta à plataforma, a empresa consegue efetuar um controle altamente sofisticado e tecnológico da prestação de serviços, de forma até mesmo mais pormenorizada, constante e eficaz do que qualquer supervisão presencial de atividades desempenhadas em outros moldes. Neste particular, perfeitamente cabível o parágrafo único de seu artigo 6º da CLT, que prevê a possibilidade de organização do trabalho informatizada, para fins de caracterização do vínculo empregatício: Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio." (com grifo nosso acrescido) Essa norma positiva a ideia de que a tecnologia desenvolvida pela empresa é instrumento para viabilizar a subordinação jurídica típica da relação empregatícia, pois tanto o envio das orientações da forma de realização do trabalho quanto à fiscalização do local e da forma do desenvolvimento da atividade, através, por exemplo, das ferramentas de geolocalização e de avaliação do motorista servem como balizador da prestação de serviços. Traço dessa relação subordinada, decorre também da determinação encaminhada aos motoristas para evitarem o cancelamento de solicitações de viagens enquanto estiverem conectados ao aplicativo. Da relação jurídica, também resta claro o poder disciplinar patronal por meio de advertências, suspensões e desligamento da plataforma. A parte reclamada, sem qualquer ingerência da parte autora, fixa o preço a ser pago pelo usuário pelo serviço prestado pelo motorista e estabelece a forma de pagamento, sendo inquestionável tratar-se de um trabalho por conta alheia em detrimento do trabalho por conta própria, este típico dos trabalhadores autônomos. É também de se enfatizar que a liberdade do motorista na escolha dos horários de trabalho, como argumenta a parte reclamada, não constitui motivo relevante para a descaracterização da relação jurídica de emprego, máxime quando o trabalhador não possuía meios de eleger quais clientes atender, para quais destinos se dirigir ou qual o preço cobrar pelas viagens. O cenário até aqui examinado não deixa dúvidas de que a parte autora prestou serviços de forma pessoal, não eventual e mediante contraprestação à empresa reclamada, transportando os usuários cadastrados na plataforma digital. A empresa explora uma atividade econômica e busca, de forma fraudulenta, transferir todos os riscos e custos dessa atividade para os trabalhadores, que, nesse formato contratual, não gozam de qualquer proteção legal. O empreendimento ou o negócio, portanto, foi e é todo idealizado, constituído, estruturado e estabelecido pela empresa ré. O prestador de serviço da parte ré não cria nada, apenas se cadastra no sítio da plataforma digital pronta e acabada, sujeitando-se a suas regras, em busca de uma oportunidade de trabalho. O fato de o motorista poder escolher o horário em que trabalha ou de aceitar corridas (assumindo os riscos da punição), ou, ainda, de ter a ferramenta de trabalho (o veículo), não tem o condão de tornar a prestação de serviço autônoma, especialmente quando sequer há liberdade de escolher clientela, destino, tempo de execução ou valor da corrida. Ademais, a escolha do horário de trabalho é algo que está cada vez mais flexibilizada, sobretudo após a previsão do teletrabalho na CLT, não havendo, necessariamente, rigidez de horários praticados nos moldes tradicionalmente concebidos, especialmente em contexto em que a necessidade de trabalho, para garantia de renda mínima de subsistência, é reconhecidamente de jornada integral e de vinculação permanente à plataforma. Importante observar que o cliente é da empresa ré e não do motorista, sendo vedado qualquer contato direto, conforme relatado que era inaceitável. Evidente, portanto, que a situação ora analisada envolve a prestação de trabalho subordinado, uma vez que todos os aspectos, procedimentos e diretrizes do negócio são definidos unilateralmente pela empresa, que os fiscaliza, mantendo o controle de seu cumprimento. Assim, o TST já decidiu recentemente: "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA CONTRATANTE. RITO SUMARÍSSIMO. PLATAFORMA DIGITAL. MOTORISTA DE APLICATIVO. PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DA REALIDADE E DA PROTEÇÃO AO EMPREGO. VÍNCULO DE EMPREGO. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, CENTRALIDADE DA PESSOA HUMANA NO VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA, ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS (CF/88, ARTIGOS 1º, 3º, 5º, 6º, 7º e 170). DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL ( CAPUT DO ART. 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). Cinge-se a controvérsia em definir a relação jurídica do serviço prestado pelo motorista de aplicativo em plataforma digital. Tal relação é estabelecida por economia sob demanda ("on-demand economy"), por meio de plataforma conectada à internet, à qual os usuários - clientes cadastrados digitalmente - requerem a prestação serviços de locomoção pessoal ou de entrega de bens e serviços. Está claro que houve evolução das relações de trabalho muito mais rápida e maior do que a evolução da lei. Assim, nos casos de contratação por intermédio de plataformas digitais, cumpre analisar a controvérsia sobre a relação estabelecida entre as partes e, nos casos submetidos a esta justiça especializada, a constatação, ou não, dos requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. Na prestação desses serviços, tem-se que a atuação do profissional pode ser acompanhada em tempo real pela plataforma eletrônica da empresa (subordinação algorítmica), que verifica o trajeto, a velocidade desenvolvida e a avaliação do cliente. Podemos considerar ainda outras condições do controle da atividade laboral, entre as quais o fato de o contratado sofrer punição pelo cancelamento de corridas ou não manter o carro nas condições pré-determinadas, não haver liberdade de escolher sua clientela, destino, tempo de execução ou valor do serviço. No que se refere à pessoalidade, temos que a prestação de serviços para a empresa é realizada pelo motorista que preencheu os pré-requisitos empresariais de contratação - "termos de uso". Ademais, é impertinente o fundamento de que o motorista não assume os riscos do negócio, visto que, além de arcar com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), cabe a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos e naturais ocorridos, entre outros. Ressalta-se que a exclusividade com a contratante não é característica essencial do contrato de trabalho , e a habitualidade pode ser constatada pela continuidade da prestação de serviço. Analisando o direito internacional comparado, temos que a tendência mundial é de que os contratados por plataformas digitais tenham direitos mínimos assegurados ou até mesmo direitos trabalhistas reconhecidos. No Brasil, não existem normas específicas para regular esse tipo de contrato, contudo, existe extensa controvérsia jurisprudencial e doutrinária sobre a natureza jurídica dessa relação. Dessa forma, não pode o trabalhador ficar desamparado dos direitos mínimos consagrados em nossa Carta Magna e na vasta legislação celetista . Dadas as características dos atuais contratos, passamos ainda à problemática da previdência social, que seria responsável pelas possíveis eventualidades acometidas com os prestadores de serviços, sem a contribuição paritária das partes envolvidas no negócio jurídico, uma vez que o contratado não ostenta a qualidade de contribuinte previdenciário direto, o que traz insegurança jurídica ao próprio sistema garantidor social - SUS. Assim, no caso, demonstrada a prestação dos serviços em prol da empresa reclamada, a subordinação jurídica, a habitualidade e considerando a fragilidade e a insegurança suportada pelo prestador de serviços, correto o vínculo reconhecido. Incólumes, portanto, os dispositivos invocados. Precedentes e publicações específicas. Agravo de instrumento a que se nega provimento " (AIRR-31-63.2023.5.13.0022, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 22/11/2024). AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Para além da pungência socioeconômica que envolve a questão, o debate acerca da natureza do vínculo entre "motorista de aplicativo" e empresa gerenciadora da plataforma digital por meio da qual era prestado o serviço, não foi, ainda, equacionado na jurisprudência trabalhista nacional. Aspecto suficiente para a configuração da transcendência jurídica. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. RITO SUMARÍSSMO. requisitos do artigo 896, § 1º-A da CLT não atendidos. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. A despeito do entendimento do e. TRT, os aspectos factuais da relação desenvolvida entre reclamante e reclamado, registrados no acórdão de recurso ordinário, mostram-se suficientes ao reconhecimento de relação empregatícia, cuja camuflagem sob o epíteto de parceria, tem clara intenção de supressão dos direitos sociais e trabalhistas elencados no art. 7º da Carta Magna, em evidente ofensa à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, fundamentos insculpidos no art. 1º, incisos III e IV da Constituição Federal. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17. RITO SUMARÍSSMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. O tema relacionado à natureza do vínculo entre empresas gestoras de plataformas digitais que intermedeiam o serviço de motoristas demanda análise e decisão, pelas instâncias ordinárias, sobre as condições factuais em que esse trabalho concretamente se realiza, somente se configurando o vínculo de emprego quando contratados os motoristas, por essa via digital, para conduzirem veículos sob o comando de algoritmos preordenados por inteligência artificial. A flexibilidade de horário ou mesmo de jornada de trabalho é comum ao emprego que se desenvolve fora dos limites topográficos da empresa, razão pela qual não é aspecto decisivo para aferir a natureza da relação laboral. Importa verificar se o trabalho é estruturado, gerenciado e precificado por comando algorítmico, sujeitando-se a sanções premiais ou disciplinares o trabalhador obediente ou insubordinado, respectivamente. Presentes essas condições factuais, está o motorista a protagonizar um contrato de emprego relacionado a transporte de passageiros, figurando a plataforma digital como instrumento para a consecução dessa prestação laboral. Não se apresenta tal trabalhador como um sujeito, apenas, de parceria tecnológica, ainda que a instância regional, frente a esses mesmos fatos, tenha intuído ser outra a natureza jurídica do vínculo. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 00007999220215080120, Relator: Augusto Cesar Leite De Carvalho, Data de Julgamento: 12/04/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 19/05/2023) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO ". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT ). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade , o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural , mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada . Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022). Nesse sentido, precedentes recentes da 1ª Turma deste Regional (RO 1194-77.2023.5.22.0006, Relator Francisco Meton Marques de Lima, j. 16/12/2024 e RO 601-26.2024.5.22.0002, Relator Arnaldo Boson Paes, j. 16/12/2024). Desse modo, ante o quadro acima delineado e o princípio da proteção do trabalhador, conclui-se estarem presentes os elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, na forma do art. 3º da CLT. Quanto à forma de extinção do contrato de trabalho, não foram apresentadas provas de que o reclamante tenha incorrido em descumprimento dos termos de uso do aplicativo, a ensejar a justa causa arguida pela empresa. Assim, e em decorrência do princípio da continuidade da relação de emprego, presume-se que a rescisão contratual se deu por iniciativa da parte reclamada, sem justa causa e sem a devida comunicação prévia ao empregado. Consequentemente, são devidas à parte trabalhadora as parcelas rescisórias típicas dessa modalidade de desligamento. Assim, restam mantidas as verbas reconhecidas em sentença, inclusive a multa do art. 477, § 8º, da CLT, conforme entendimento consolidado na Súmula 462 do C. TST. No tocante ao pedido de verificação dos períodos offline ou de inatividade do trabalhador, inclusive para afastar as férias postuladas pela parte obreira, não prospera, tendo em conta que foram considerados os períodos de efetivo labor, conforme histórico de viagens do reclamante, que demonstram o início de atividade em 17/05/2023, aliado às disposições do contrato de trabalho intermitente, em que algumas verbas deveriam ter sido pagas ao final de cada período, nos termos do art. 452-A, § 6º, da CLT, o que não ocorreu. Desse modo, mantidas as verbas objeto da condenação, inclusive as férias proporcionais ali deferidas (3/12). Ademais, a insurgência da reclamada quanto à média salarial igualmente não prospera, tendo em conta que a decisão recorrida considerou a média de R$ 2.800,00 apontada pelo reclamante, cujo valor é inferior ao apurado no relatório apresentado pela empresa." (RELATORA: DESEMBARGADORA BASILIÇA ALVES DA SILVA) Conforme se extrai dos trechos acima transcritos, não se vislumbra violação direta aos dispositivos constitucionais apontados pela parte recorrente (art. 1º, IV, 5º, II,LIV,LV e 170, IV). A Turma decidiu a controvérsia de acordo com a legislação infraconstitucional aplicável à hipótese, de forma que a violação dos preceitos invocados, caso existente, seria reflexa ou indireta, o que inviabiliza o recebimento da revista, segundo disciplina o art. 896, alínea "c", da CLT. Sobre a questão, convém ressaltar que o Regional decidiu pela existência de vínculo empregatício entre as partes com base no conteúdo fático-probatório existente nos autos, de modo que eventual reforma da decisão demandaria o revolvimento de fatos e provas, ante a necessidade de consultar o contexto probatório, o que é inviável na atual fase processual, ante o impedimento da Súmula n. 126 do TST. Por fim, reitera-se que, em se tratando de feito que tramita sob o rito sumaríssimo, a fundamentação do recurso sofre a restrição imposta pelo art. 896, § 9º, da CLT, segundo o qual somente se admite a revista por contrariedade a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho ou a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal e por violação direta da Constituição Federal, mostrando-se incabível a alegação de ofensa a dispositivo da legislação infraconstitucional. Pelo exposto, não se admite o recurso de revista quanto ao tema. CONCLUSÃO DENEGO seguimento ao recurso de revista. Publique-se. Teresina-PI, data da assinatura digital. TÉSSIO DA SILVA TÔRRES Desembargador-Presidente
Intimado(s) / Citado(s)
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